28 de jan. de 2009

BOAS NOTÍCIAS

Abro um parênteses aqui sobre a coisarada cultural, para adicionar uma pitada de algo a mais na cultura. Comunicação é cultura e vice-versa. Nesta semana, de 27 /01 a 31/01 acontece a 9º edição do Fórum Social Mundial, em Belém do Pará. Uma das atividades paralelas é o Fórum Mundial de Mídia Livre. Pois bem, aí vai então uma importante contribuição sobre este conceito. E como disse Renato Rovai, autor do texto abaixo: "Ser midialivrista é também ser revolucionário."

Uma contribuição sobre o conceito de Mídia Livre, de Renato Rovai


Segue abaixo a intervenção que acabo de fazer na mesa "Para Ampliar o Midialivrismo", no Fórum Mundial de Mídia Livre. É uma reflexão para que possamos começar a debater o caráter do movimento que estamos construindo.


Nós somos blogueiros, revisteiros, documentaristas, fotógrafos, ilustradores, jornalistas, radiocomunicadores, professores que não têm a mídia comercial como referência do seu trabalho... Somos ativistas da luta pela democratização das comunicações. Somos muitos. Estamos hoje produzindo boa parte das informações que constroem a reflexão do movimento popular mundo afora. Somos muitos e por isso já incomodamos demais. Não somos mais nós que nos preocupamos com os conglomerados comerciais de comunicação. São eles que hoje querem nos impedir de existir. São eles que se preocupam com nossas ações, com as nossas construções. São eles que dizem que nossas rádios derrubam aviões. São eles que fazem campanhas publicitárias para ridicularizar nossos blogues.

Lembram-se da campanha do Estadão. Aquela que tinha um macaco chamado Bruno que ficava inventando histórias no seu blogue. Vai ver que eles nos acham macacos, porque somos divertidos. E porque não usamos ternos e gravata. E não precisamos ficar fazendo cara de sérios para transmitir informação e fazer reflexões. Talvez nos achem macacos porque damos uma banana para a lógica de que o mercado é um deus. E porque defendemos a liberdade. Somos macacos, porque, por exemplo, não tiraríamos um vídeo do youtube “por violação dos termos de uso”. Fui ao Youtube buscar essa campanha do Estadão contra os blogueiros. E eles proibiram o vídeo de circular. Está lá: “proibido por violação dos termos de uso”. Eles proíbem a circulação da informação, de uma campanha publicitária criada por eles, vejam bem, por violação dos termos de uso. Falando em Estadão. Eles nos acusam de receber dinheiro do Estado. Vivem dizendo que os nossos veículos não existiriam não fosse a publicidade oficial. Só que nenhum veículo comercial conseguiria viver um ano sem contar com os recursos publicitários e subsídios desse mesmo Estado. Estou dizendo um ano, mas posso até apostar com a Globo e com a Abril se elas topam, ficar um mês sem recursos do Estado.

Nós, da Revista Fórum, estamos cansados de ficar meses sem um real de publicidade oficial. Um mês, Marinhos. Um mês, seu Civita. Agora mesmo, no dia 23, o presidente da França, o marido da Carla Bruni, anunciou um pacote de 600 milhões de euros para a imprensa escrita francesa. Imaginem se o Chávez ou o Lula decidissem investir 6 milhões de Euros, 100 vezes menos, na ampliação da mídia livre. Alguém aí ainda acha que eles são contra o Estado? De jeito nenhum. Eles vivem sugando do Estado, abusando do Estado, se locupletando do Estado. O que eles querem é nos constranger e nos impedir de ter acesso ao Estado.

Para ampliar o midialivrismo, precisamos e devemos ter apoio do Estado. E não devemos tratar essa questão nem com pruridos nem a partir da mesma lógica assaltante dos conglomerados comerciais. Precisamos pensar em novos modelos de financiamento. Vamos ter uma mesa neste FSM onde será lançado o edital de criação dos Pontos de Mídia Livre e dos Laboratórios de Mídia Livre. Trata-se de um novo modelo de financiamento de veículos de informação que terá o apoio do Ministério da Cultura. Poderão se inscrever organizações e pessoas físicas. E os veículos serão julgados por uma comissão que vai avaliar o interesse público daquele produto. Isso muda a lógica da repartição dos recursos. É uma construção inspirada nos Pontos de Cultura, que a partir de agora também poderão se reivindicar Pontos de Mídia Livre.

É algo novo e que precisa ser discutido por todos nós para que possa vir a ser, inclusive, melhorado e ampliado. Por que não se pode repetir essa construção em governos de estados e prefeituras. Aliás, a prefeitura de Vitória já está estudando o assunto. Fica o desafio para que o governo do Pará faça o mesmo. E, quiça, esse possa vir a ser um dos legados que este FMML deixe à luta pela democratização da mídia no Pará. Bem, mas o que é esse nosso movimento? No que ele se diferencia do que a gente chamava de mídia alternativa Considero que este nosso movimento foi semeado em 1989, quando foi criada a WWW. (a rede na internet) . Também foi o ano quando caiu o muro de Berlim. E acabou a guerra fria que dividia nossas opções políticas em a favor ou contra um dos dois blocos que dividiam o mundo. Do ponto de visita simbólico e do ponto de vista geopolítico real, acabava a sociedade dos contrates. Iniciava-se o ciclo do plural, da multipolaridade. Há muito o que se discutir em relação a isso, mas o que vivemos hoje tem relação com esses dois acontecimentos históricos.

Podemos dizer, de forma até ilustrativa, que a geração que está construindo o que a gente chama de movimento mídia livre hoje é filha de 1989. Desses dois acontecimentos históricos. Como a geração que fez a mídia alternativa foi filha do que aconteceu 1968. E que acabou acontecendo também em 69, 70, 71... A história da imprensa alternativa no Brasil foi intimamente ligada ao período da ditadura militar. O professor Bernardo Kucinski, que vai estar na próxima mesa, afirma em seu livro “Jornalistas e Revolucionários” que entre 1964 e 1980 nasceram (e morreram) aproximadamente 150 periódicos que faziam oposição ao regime autoritário brasileiro. Eram todos de papel. E quase todos panfletários. Principalmente os que se reivindicavam políticos. Porque alguns daqueles veículos também não eram só políticos. E se inspiravam no movimento da contracultura francesa e estadunidense. Um deles, o Pasquim, foi um sucesso editorial.

Até hoje nenhum produto de papel fora da mídia tradicional vendeu tanto quanto o Pasquim, que chegou a tiragens semanais de 100 mil exemplares. Mas, mesmo o Pasquim era caracterizado pela luta contra a ditadura. Pode-se dizer, sendo assim, que a imprensa alternativa no Brasil foi feita de papel (com jornalismo impresso) e que existiu para combater a ditadura militar. Por isso, depois que a ditadura acabou, os jornais alternativos também foram acabando. Ainda hoje há veículos que se reivindicam alternativos, por conta de sua linha editorial diferenciada. Mas eles não representam mais o movimento que os inspira. A mídia livre é outra coisa. E tem outras abas, como se diz no mundo virtual. Pode-se até dizer que ela tem inspiração jornalística na imprensa alternativa, mas suas demandas e construções são de outra ordem. Bem mais diversas, bem mais plurais. Então o que caracteriza o nosso movimento e o que nos torna midialivristas.

O movimento de mídia livre não é apenas uma construção de jornalistas e/ou militantes políticos de esquerda. Ele é muito mais amplo. Quando se definiu pelo nome Mídia Livre uma das intenções era exatamente a de se associar a luta dos softwares livres e das rádios livres. Mas também a de demonstrar que a construção do movimento tinha por princípio a liberdade como valor. A luta contra os monopólios corporativos, contra a censura da informação, contra o bloqueio do acesso ao conhecimento. E que buscava ser não uma instituição, uma associação, mas um espaço livre para articulações e para o fomento de iniciativas inspiradas na dinâmica do compartilhamento e na construção da cultura do comum. De alguma forma isso é o que nos define.

Não é necessário ser de esquerda para ser midialivrista, mas é impossível sê-lo sem estar associado à prática do copy left ou do creative commons. Quem pensa o mundo na lógica do copy right não pode se reivindicar ou se reconhecer midialivrista. E ser midialivrista também é um ato de se reivindicar e se reconhecer. É por isso que quase todos os midialivristas são de esquerda. Porque não estão associados à crença de que tudo passa pelo mercado. E de que precisa virar mercadoria. Como eu vi outro dia o meu amigo Sergio Amadeu dizer, não existe almoço de graça, mas existe software livre e gratuito. E milhares de pessoas trabalhando sem receber nada para desenvolvê-lo.

Plagiando o Sérgio Amadeu, não existe almoço de graça, mas existe informação gratuita. E livre das influências do mercado. Sem ter sido pensada para fazer parte de um projeto que precisa de publicidade comercial, por exemplo, para existir. Quanta gente em todos os cantos do Brasil e do mundo não está trabalhando de graça para contestar as versões dos conglomerados midiáticos? Quanta gente não está fazendo rádio livre e comunitária nas favelas brasileiras para poder levar prestação de serviço e opções de cultura e lazer diferenciadas para milhões de pessoas? Quanta gente não está fazendo produções em vídeo e construindo um registro alternativo dos nossos tempos ao postá-las, por exemplo, no youtube? Quanta gente sem ganhar nada não tornou a Wikipédia em um enorme manancial de informação?

Os midialivristas fazem comunicação porque a entendem como direito humano. As pessoas querem se comunicar, dizer o que pensam, opinar. Elas precisam fazer isso para se sentirem participes de uma sociedade democrática. Até porque sem uma ampla diversidade informativa, a democracia se apequena. Torna-se de grupos, de poucos. Daqueles mesmos grupos que levaram com que milhares de pessoas de todas as partes do planeta se dirigissem em 2001 para Porto Alegre e gritassem: “um outro mundo é possível”. Por isso, dá pra afirmar sem medo de errar que o movimento da mídia livre é essencialmente político. Até porque ele coloca em xeque a lógica do sistema capitalista. E para usar um outro termo desgastado: ele é revolucionário. Nós, midialivristas, temos muitos desafios pela frente. Mas não poderemos enfrentá-los se quisermos ser a antítese em conteúdo daquilo que criticamos. Mas ao mesmo tempo não podemos nos seduzir pela forma daqueles que hoje oprimem. A mídia livre precisa apostar na horizontalidade. Num movimento de milhões. E não em grandes projetos de alguns. Em outros grupos grandões de comunicação que se digam mais pra cá do que pra lá. Que tenham um discurso mais próximo do que acreditamos. A mídia livre precisa ser colaborativa, horizontal, comum e livre de interesses de grupos. É isso que pode fazer com que esse movimento se amplie. E se torne de fato importante e revolucionário. Ser midialivrista é também ser revolucionário. Unamo-nos.

do blog http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/

8 de jan. de 2009

"ERA UMA CASA"...que conta histórias e transforma vidas.



A “Casa do Contador de História”, em Curitiba, forma todo ano cerca de 100 contadores de histórias preparados para o voluntariado. Além de técnicas de contação, também o objetivo é resgatar o significado popular e afetivo das histórias. Apesar de a formação ser voltada para a ação social, diferentes motivações levam as pessoas buscarem o curso. De pais e avós que desejam contar aos filhos e netos, a aposentados que buscam novas ocupações. A Casa do Contador de Histórias, criada em 2004 em Curitiba, é uma iniciativa social pioneira no Brasil, encabeçada por um grupo de contadores vindos de várias áreas profissionais.

No ano passado, fui lá presenciar a formatura de mais uma turma de contadores de histórias. O evento conta com uma “roda de contação” aberta ao público, que seria uma espécie de prova final do curso. Os alunos contaram histórias usando apenas a oralidade e gestos, sem o apoio de livros. O ambiente em segundos torna-se mágico e é emocionante observar as reações de cada um que assiste. Mauro dos Santos que é fundador da casa junto com a psicóloga Marta Teixeira, explica que “o maior ensinamento é não dar nenhuma lição de moral, mas é conseguir que cada um forme suas próprias mensagens.” A inspiração para as técnicas ensinadas, segundo ele “é o resgate dos contadores de causos da roça.”

Hoje são 10 entidades de assistência social atendidas pelos alunos formados pela Casa. Para Marta Teixeira, “a maior missão da entidade é levar as imagens curativas das histórias para as pessoas que mais precisam, para que possam dimensionar sua maneira de pensar, seus sentimentos e suas ações na vida”.

Histórias que transformam vidas

Jan Gerd, ex aluno e coordenador de comunicação da Casa, conta histórias no Abrigo São João Batista e na Unidade Social Joana Miguel. Para ele, “as histórias modificam as pessoas.” Cita como exemplo o trabalho junto as meninas detentas da Joana Miguel. “Grande parte delas estava sem nenhuma auto-estima, e pediam, no início, para que eu contasse apenas histórias de terror. Aos poucos se descobriram mulheres nas histórias de amor e contos de fadas.” conta Jan.

Porém, muitas pessoas buscam contar histórias para resolver dilemas pessoais. Participante da última oficina, George Antunes, 36, fez o curso para atender um pedido da filha. “Um dia ela me perguntou por que a mãe contava histórias e eu só sabia alugar DVDs.” contou Antunes. Já para a professora primária aposentada Áurea Miller, a motivação é a falta que sente do afeto das crianças. “Quero voltar a ter contato com elas e esquecer da solidão.”

Serviço:
Quer ser um contador de históras voluntário?

Para saber sobre cursos e outras informações, acesse:
www.casadocontadordehistorias.org.br




16 de dez. de 2008

PrasBandas inverte o lado da música independente em Curitiba


Projeto pioneiro valoriza bandas independentes nos bairros de Curitiba e dá oportunidade aos que não tem condições de participar da “cena cultural curitibana"



Idealizado pelo produtor musical Getulio Guerra, o Projeto “PrasBandas” surgiu em novembro de 2005, para apresentar bandas independentes nos bairros curitibanos. Na luta pela descentralização da cena musical, sem patrocínio, o idealizador já organizou 4 edições do Projeto: no Sitio Cercado, Boqueirão, Xaxim e Hauer. Algumas das bandas participantes conseguiram destaque na cena cultural curitibana.

Com a vontade de mobilizar a música independente e inverter o movimento cultural, dando oportunidade aos que não tem condições de se deslocar até o centro para participar da vida musical independente de Curitiba, Getulio Guerra realizou a primeira edição no Sitio Cercado. Sem muitos recursos, distribuiu panfletos e cartazes no bairro, com a chamada para interessados em apresentar sua banda em um show. Algumas regras para poder se inscrever: música própria, em português e pelo menos um integrante ser do bairro da vez. Os locais para os shows foram todos conseguidos junto aos moradores.

O bibliotecário Mauricio Santana, 34, inscreveu sua banda de rock alternativo “5 graus”, ao ver o cartaz em uma distribuidora de bebidas no bairro. “Eu me inscrevi e mobilizei família e amigos. Foi muito legal, depois, ser reconhecido pelos moradores”. Getulio destaca a importância da idéia de pertencimento quando se tem vida cultural no local onde se mora. “Cada bairro é um pequeno país e ter a vida cultural perto é uma grande conquista pra muita gente que não tem dinheiro, por exemplo, para se divertir ou tocar no centro da Cidade”, afirma.

Atualmente a banda do Mauricio que tocou pela primeira vez no evento organizado pelo “Pras Bandas”, tem CD e se apresenta no VOX, Jokers, Hangar, 92º e Korova, que são bares no centro da Cidade. Já Ricardo Salmazo, do Combinado da Silva Só (grupo musical de samba de raiz) diz ter voltado do centro para o seu bairro. “Fizemos o nosso caminho difícil primeiro. Conseguir espaço em bares centrais para então voltar ao bairro com o projeto do Getulio. Tocamos no Boqueirão, onde moro, e isso foi muito renovador”, disse.


Novos Projetos

O PrasBandas, em 2008, foi para dentro da Rádio Comunitária do Sitio Cercado. Bandas independentes eram selecionadas para em uma hora de programa apresentar suas produções. Depois, por motivos de incompatibilidade com a rádio, a equipe começou a realizar o programa em casa. Filmam as bandas tocando e o resultado final vai para internet, mais precisamente para o youtube. (www.youtube.com/prasbandas)


O Projeto nos bairros que ficou em “stand by” por um tempo, volta com tudo em 2009, como um dos selecionados pelo Fundo Municipal de Cultura, através do edital para festivais de música independente. Portanto, no PrasBandas 5, serão realizadas quatro mostras em praças públicas de bairros da periferia e também quatro oficinas gratuitas de cinema, fotografia, bateria e astrologia para a comunidade. A primeira edição dessa nova etapa acontece de fevereiro a abril, no bairro Uberaba. As oficinas na Escola Municipal Maria Marli Piovesan e a mostra na Praça Renato Russo. Getulio Guerra avisa que "as crianças que aprenderem nessas oficinas por esses 2 meses, se apresentarão junto com as bandas inscritas do bairro e ficarão famosinhas."


Resumo PrasBandas (com informações do jornalista Teo Arruda)

A mostra se caracteriza por proporcionar a oportunidade para bandas iniciantes dos bairros apresentarem músicas autorais, em português, com uma boa estrutura de som e em seu próprio bairro. Cada inscrita apresenta duas músicas próprias e tem a oportunidade de tocar no mesmo palco com bandas convidadas de destaque da cena curitibana. Cobrando ingressos populares de R$3,00, o Pras Bandas pedia entrada de livros usados. Reuniu cerca de 700 exemplares que já foram doados para escolas públicas nos bairros em que as edições foram realizadas. Agora em 2009, será sempre gratuito, em praças públicas.

Entrevista com Getulio Guerra - Crédito da foto: Andressa Farion

Foto topo da matéria: Banda Gruvox, do PrasBandas 4 - no Hauer.

Crédito da Foto: Douglas Fróis

Responsável pela matéria: Ana Carolina Caldas












15 de dez. de 2008

OS INDIFERENTES, DE ANTONIO GRAMSCI.

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.


Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.


Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.


Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

Antônio Gramsci



OS INDIFERENTES, DE ANTONIO GRAMSCI - 11 DE FEVEREIRO DE 1917
do livro La Città Futura